Os Caminhos de Santiago são referências espirituais e culturais internacionais. Todos os anos milhares de pessoas percorrem os vários caminhos, que partem de diferentes regiões da Europa e vão encontrar-se à Catedral de Santiago de Compostela. O mais famoso destes caminhos é o Caminho Francês, classificado como Património da Humanidade, em 1993. Entre Saint-Jean-Pied-de-Port (França) e Santiago de Compostela (Espanha), os peregrinos caminham mais de 800 kms, com o objetivo de finalizar a sua jornada espiritual e religiosa ou, simplesmente, física e mental.
Outros caminhos são também bastante procurados, tais como o Caminho Primitivo, o Caminho Aragonês, Via de la Prata, o Caminho do Norte, o Caminho Sanabrés, o Caminho Salvador, o Caminho Inglês, entre outros. Depois de cumprida a missão de chegar a Santiago de Compostela, ainda há quem faça as derradeiras etapas, no Caminho de Finisterra e Muxia, para conhecer o lugar onde os discípulos de Santiago viajaram com o objetivo de obter a autorização romana que lhes permitiria enterrar o corpo de Santiago em Compostela.
Caminhos de Santiago em Portugal
Desde 2020, que os Caminhos de Santiago portugueses começaram a assumir um papel bastante importante, devido à riqueza natural, cultural, monumental e gastronómica. Em Portugal, são várias as opções para chegar a Santiago de Compostela e em quase todas as cidades, encontramos as famosas setas amarelas e a concha de Santiago, o amuleto de justificação no regresso da peregrinação e a prova da realização desta experiência. Os mais conhecidos são o Caminho Português e o Caminho Português da Costa, proporcionando cenários e experiências fantásticas aos peregrinos, incentivando milhares de turistas a escolherem o nosso país para começar esta aventura.
Toda esta experiência é complementada com as pernoitas nos albergues e alojamentos e a paragem nos estabelecimentos de restauração para recarregar energias.
A qualidade destas experiências é da responsabilidade de todos, desde os caminhantes aos agentes turísticos até às próprias autarquias, que devem manter os itinerários limpos e bem marcados.
Experiência no Caminho Português de Santiago Interior
Neste artigo vamos conhecer a experiência do cofundador da Geonatour, Bruno Teixeira, que se aventurou num dos caminhos portugueses. Ele contará toda a sua aventura, os desafios que encontrou ao longo do percurso e as suas sugestões.
São várias as etapas e ao longo do tempo, vamos publicar a preparação desta aventura e as particularidades de cada etapa, utilizando o registo fotográfico da caminhada e mostrando como as coisas evoluíram.
Fiquem atentos às nossas redes sociais, onde vamos anunciar as atualizações deste artigo e esperamos que gostem da partilha do Bruno.
A ideia de fazer o Caminho e preparação
Começo por avisar que a minha preparação para fazer o Caminho de Santiago não foi a melhor. Quando entrei para tomar um café com três amigos, estava longe de imaginar que sairia de lá comprometido em fazer o Caminho Português de Santiago Interior, de Viseu a Santiago de Compostela.
Isto tudo porque uma das minhas amigas queria muito fazer o caminho desde Viseu, mas precisava de companhia. Sendo uma pessoa que nunca vira a cara a um bom desafio, pensei que seria uma bela forma de passar as minhas primeiras férias enquanto bolseiro de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
Estávamos sensivelmente a meio ano do início da aventura e pensei que teria muito tempo para me preparar. Também, como praticava desporto regularmente a preocupação para me preparar não era muita.
O tempo foi passando e confesso que me esqueci do que havíamos combinado. Porém quando faltava um mês, recebi a chamada da minha amiga para tratar da planificação das etapas do caminho. Sendo a minha amiga bastante organizada, apresentou-me logo uma proposta de plano, praticamente estruturada, por dias, por aldeias e por albergues. Depois de me tentar escapar por uma vez, lá decidi que iria levar isto até ao fim e comecei a preparação para esta jornada.
Durante esse mês, corria duas vezes por semana, meia dúzia de quilómetros, no fim do trabalho e aos fins de semana dava umas caminhadas, sem nunca passar os 10 quilómetros. Os meus amigos e familiares diziam que era maluco e que não iria conseguir (que belo incentivo!).
É então que chega o derradeiro dia. A epopeia começou às 6 da manhã, do dia 30 de julho de 2017, na Freguesia do Campo (Viseu) e estava preparado (pensava eu) para 16 dias de caminhada pelo interior de Portugal.
1ª etapa: Campo (Viseu) – Ribolhos (Castro Daire)
25 kms | 9h | Muito Difícil
De carro parece muito mais perto!
Durante anos fiz várias voltas domingueiras de bicicleta com amigos, percorrendo muitos locais do distrito de Viseu e sempre tive a sensação de que o Almargem (Freguesia de Calde) era bastante próximo do Campo, mas ao percorrer os primeiros quilómetros do caminho percebi que eram mais distantes do que pensava.
No meio dos caminhos florestais, com a pouca luz, porque o sol ainda não tinha aparecido, lá fomos andando guiados pelas sinaléticas amarelas. Volta e meia, não conseguíamos encontrar as sinaléticas (talvez as pessoas locais não quisessem ninguém próximos aos seus terrenos) e fazíamos pequenos desvios, algo que era corrigido com recurso ao telemóvel.
O sol apareceu e comecei a ver melhor os caminhos e as sinaléticas existentes. Entre subidas e descidas, os caminhos da floresta, mais ou menos empedrados, eram interrompidos pelas pequenas aldeias. Durante a caminhada eu só pensava “já devíamos ter chegado ao Almargem”, mas depois de uma última descida pedregosa, os meus pensamentos foram ouvidos. Tínhamos, finalmente, chegado à ponte do rio Vouga, no Almargem.
Admito que já ia um pouco cansado, mas consegui forçar o sorriso para a primeira foto do Caminho Português de Santiago Interior. Infelizmente, acho que foi o único sorriso que tive até chegar a Ribolhos.
Do Almargem seguimos até Cabrum, uma pequena aldeia onde se vive com uma ligação profunda à natureza e que limita os concelhos de Viseu e Castro de Aire. Continuámos pelos caminhos florestais, mas as subidas tornaram-se cada vez mais íngremes e parecia que não acabavam.
O calor começou a apertar, o peso da mochila já incomodava as costas e os pés sofriam. Calçava umas sapatilhas Merrell bastante confortáveis, que ainda hoje as uso. Quanto à mochila, cometi o erro de levar uma de campismo cheia de coisas desnecessárias, com outro par de sapatilhas, uma camisola grossa, várias t-shirts, uma parte de uma tenda e outras “coisinhas”, que devia totalizar uns 10 kgs. Mesmo a sofrer, continuei a caminhada e depois de uma enorme descida, parámos na aldeia de Cabrum para encher o cantil e comer umas barras energéticas. Dez minutos depois, voltámos a pegar em tudo e com a companhia de um cão, continuámos o caminho.
Mais uma vez, parecia que as subidas não acabavam e até o cão desistiu de continuar connosco! Felizmente, começaram a aparecer as paisagens de montanha que serviam para me deslumbrar e sempre inibiam algumas das dores nas costas e num pé, por causa de um calo.
No meio das florestas, com alguns enganos e subidas íngremes, íamos atravessando algumas aldeias e foi aí que comecei a perder a noção de onde estava. Só quando não encontrávamos as sinaléticas é que recorríamos ao telemóvel e nunca víamos o caminho que já tínhamos feito, era sempre para a frente!
As horas iam passando, as dores iam aumentando e começava a acentuar-se o cansaço e a fome. Chegamos a Mões (freguesia do concelho de Castro Daire) às 14h e decidimos parar para comer e descansar 1h. Depois de uma bela sandes num café local, onde carimbámos a nossa credencial/passaporte do peregrino (documento essencial para se poder pernoitar na maioria dos albergues de peregrinos e para obter o “certificado” que comprova que se cumpriu a peregrinação até à Catedral de Santiago de Compostela), tirámos as sapatilhas, colocámos as pernas ao alto e foi aí que o cansaço bateu ainda mais. Estava de rastos!
Depois de descansar um pouco, ganhámos coragem, metemos mais um pouco de pó de talco nos pés e voltámos a calçar as sapatilhas. Não fazia ideia se Mões era perto de Ribolhos (pertence à União das Freguesias de Mamouros, Alva e Ribolhos, em Castro Daire), mas já só queria terminar a etapa. Voltámos aos caminhos florestais e depois de alguns enganos, vimos a A25, com a indicação das Termas do Carvalhal, um sítio que conhecia e que sabia que era “perto” de Ribolhos. Ganhei um pouco de animo e depois de passar um túnel da autoestrada, começou a última subida até Ribolhos, pela famosa Estrada Nacional 2.
Depois de 1 km sempre a subir, encostados à berma por causa dos carros, lá chegámos ao centro de Ribolhos, onde fomos recebidos pelos pais de uma amiga nossa. Muito bem tratados e depois de tomar um banho quente, fomos hidratar os pés e as pernas. Pareciam-me inchados e além das dores das costas e do calo, até estava bem.
Depois do jantar e da conversa sobre esta nossa primeira jornada, fomos descansar. Deitei-me a pensar que a primeira etapa estava feita e que faltavam mais 15, mas a principal notícia deste dia foi perceber que ia sofrer muito para completar esta epopeia.